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Erros sem fronteiras

Lido há mais de 2 décadas com empresas de muitas nacionalidades e por isso com culturas que, em alguns aspetos, são muito diferentes umas das outras.

De uma forma simplista uma empresa portuguesa assume alguns comportamentos e hábitos diferentes de uma empresa de outro país e não precisamos de mudar de Continente para perceber que essa diferença se aplica até na vizinha Espanha.

No final do ano passado, fui trabalhar no evento anual de liderança de uma empresa de origem Sueca. O meu papel passava por fazer uma palestra que destacava a importância da cultura da organização na experiência dos seus Clientes. Apesar de só falar no final do evento, assisti a todo o evento garantindo que a minha apresentação estaria em linha com o estilo e os princípios da organização. Algo que faço há muitos anos e um princípio de que não abdico.

Assisti ao evento desde o seu primeiro momento. Vários temas foram abordados, como aliás é normal neste tipo de situação. O porquê de estarem ali, o balanço do ano anterior, os objetivos do ano seguinte, aqueles projetos que se destacaram ou aqueles que são novidade, entre tantos outros temas. Os oradores iam variando entre direção comercial, recursos humanos, CEO ibérico, e vários convidados da organização.

Chegado o momento do Presidente da empresa fazer a sua apresentação, este começou por destacar e reconhecer a equipa por tantas conquistas e resultados extraordinários. A empresa está em crescimento e apresentou excelentes resultados com um plano de expansão que continua ambicioso.

É durante esta apresentação que sou confrontada com algo que atribuo a uma acentuada diferença cultural!

Um slide onde se lia “2023. Our failures” (2023: os nossos fracassos). Nesta altura pensei que iria assistir a projetos menos bem conseguidos e em linha com a tendência que se vem acentuando de utilizar linguagem positiva não deixei de imaginar, erradamente, aquele título ligeiramente diferente, como por exemplo, “O que poderia ter corrido melhor!”.

Acontece que me enganei e que tirei daquele momento um ensinamento poderoso. Não se tratava de projetos que poderiam ter corrido melhor, tratava-se, isso sim, de erros cometidos pela Gestão de Topo em decisões ou ações, ou seja, verdadeiros fracassos.

A apresentação desenrolou-se com o Presidente a falar das coisas que, na sua ótica, tinham sido verdadeiros fracassos, que além de não deverem ser repetidos devem ser partilhados para que todos possam aprender com isso.

Estava já eu rendida à inteligência da decisão de usar a vulnerabilidade como uma força quando oiço, a propósito de um desses “fracassos” algo deste género:

“E agora muita atenção. Fixem o que vou partilhar porque se algum dia, algum de vocês for empresário não o façam, pode tornar-se fatal!”.

A plateia ficou em silêncio e seguramente grata pela partilha.

Como referi, participo em eventos pelo mundo há mais de 2 décadas em todos os Continentes, com muitas culturas diferentes, e posso assegurar que uma abordagem deste género, tão explícita e clara, nunca tinha visto.

A aprendizagem foi deles, mas, acima de tudo, foi minha.

Dizemos com muita frequência que devemos aprender com os erros uns dos outros, porém, como poderemos fazê-lo se esses erros ou “fracassos” como eles corajosamente lhes chamaram, não são claramente partilhados com a organização? (Armindo Martins).

Foi numa empresa sueca. Como seria se fosse em Portugal? Ou, como seria se fosse na minha empresa? Damos espaço para aprender abertamente com os erros ou tendemos a escondê-los?

Os erros são muitas vezes encarados como tabus, algo a ser evitado a todo custo e, quando ocorrem, são ocultados ou minimizados. 
Mas e se mudássemos esta perspectiva? E se olhássemos para os erros não como fracassos, mas como oportunidades de aprendizagem e crescimento?

Artigo publicado no Jornal da Madeira,  edição de 07/03/2024