“Sou perfeccionista” ou “É muito perfeccionista” são expressões muitas vezes ouvidas e associadas, bem ou mal, a rigor e outputs exemplares.
O perfecionismo, por definição, é a tendência para procurar exageradamente a perfeição [1]. Poderia só através da definição explorar a palavra “exageradamente” para expor aquilo que podem ser os custos do perfecionismo, uma vez que me reconheço, ou reconheci, como sendo uma pessoa assim.
Desde o início da minha carreira enquanto empresária, há mais de duas décadas, que o rigor e profissionalismo são dois pontos inegociáveis. Durante anos confundi estes dois fatores chave de sucesso com perfecionismo.
Certo dia, num World Business Forum a acontecer em Madrid (se a memória não me atraiçoa), depois de assistir a uma palestra para umas centenas de pessoas, tive o privilégio de estar num workshop com o Sr. Frank McGuire, Former Co-Founder of Federal Express.
A sala estava disposta em plateia com um corredor central e eu estava sentada talvez na 3ª ou 4ª fila na coxia, ou seja, junto ao corredor.
De entre várias temáticas que abordou sobre rigor e a vida de empresas de sucesso, há um momento em que faz uma pausa e ocorre a história que lhe relato.
- Eu já fui perfeccionista! – disse de forma assertiva fazendo um silêncio que se “ouvia”, pelo menos para mim! - Fui até ao dia em que tive o primeiro ataque cardíaco! – reforçou, repetindo a pausa ou silêncio necessários para a plateia absorver o que estava a ouvir.
Até hoje, acredito que devo ter feito uma cara de espanto tão grande que me denunciei, mas não sei se foi o caso ou se se tratou de uma mera coincidência aquilo que se seguiu.
- Sabem porque era perfeccionista ou porque é que alguém é perfeccionista? – perguntou sem dar tempo a grande resposta e prosseguiu. - A principal razão por que somos perfeccionistas não é o trabalho irrepreensível, como achamos. A principal razão é garantir que ninguém nos pode dizer que erramos! Por isso tive não um, mas dois ataques cardíacos. Eu não percebia isso! - afirmou de uma assentada só enquanto se foi deslocando no corredor.
Quando esta afirmação foi feita estava ao meu lado obrigando-me a olhar para cima já que eu estava sentada e, nessa altura, “disparou”:
- Did you get it? Did you really get it? (Percebeste? Percebeste mesmo?) – perguntou-me a olhar bem nos meus olhos e inclinando-se ligeiramente não deixando lugar a dúvidas de que falava para mim!
Se hoje conseguisse reconstruir esse momento a imagem que gostava de transmitir era de uma pessoa de uns 34 ou 35 anos, neste caso eu, completamente congelada. Tudo o que consegui fazer foi abanar a cabeça em sinal afirmativo, quase em câmara lenta sem nunca desviar os olhos deste senhor.
Depois de uma pausa onde tudo me passou pela cabeça, rodou o corpo e continuou o seu trabalho. Hoje, 20 anos mais tarde, não me recordo de nem mais uma palavra sobre tudo aquilo que aprendi naquele workshop, mas sei que este momento me marcou para a vida e me trouxe uma tomada de consciência que levou ao início do processo de alterar, pelo menos em parte, este comportamento.
Assumia-me perfeccionista com orgulho e hoje refiro-me a esse traço de personalidade que ainda cá está, embora menos acentuado, para justificar alguns comportamentos onde o tal exagero na busca da perfeição é contraproducente para mim e para as pessoas com quem estou a trabalhar.
A somar a este episódio, nessa altura lembrei-me da frase que coloquei no meu projeto final de curso: "Quando procuramos a perfeição, descobrimos que é um alvo móvel" (George Fisher, a fonte original não é clara).
Entreguei e defendi o meu projeto final depois de não dormir 2 noites seguidas. Acontece que não o fiz porque duvidava do conteúdo (uma central térmica) mas sim porque estava irritada com a forma e passei dois dias a experimentar várias formatações e impressoras de forma a garantir que todas as tabelas, gráficos, textos e legendas estavam imaculados (passaram mais de 30 anos e, ao dia de hoje, diria que a tecnologia da época não me dava aquilo que eu queria atingir). O resultado foi defender um projeto complexo com uma enorme privação de sono. Por outras palavras, o perfecionismo também pode ter o custo de se perder a visão holística focando-nos nos mais ínfimos detalhes, muitas vezes, acessórios.
Escrevo por norma sobre empresas, cultura das empresas, liderança e experiência Cliente e Colaborador. A esta altura, se tem por hábito ler os meus artigos, poderá estar a perguntar-se onde está a ligação entre o perfecionismo individual e o mundo dos negócios.
Ocorre-me afirmar que está um pouco por todo o lado e poderia escrever mais umas quantas páginas com histórias reais de terreno muito semelhantes à que acabei de descrever, porém, hoje limito-me a deixar a reflexão em jeito de partilha pessoal.
O perfecionismo pode levar à exaustão e à ineficiência seja a nível pessoal ou a liderar organizações. Aprendi a distinguir rigor e perfecionismo e acredito que qualquer pessoa pode beneficiar ao reconhecer essa diferença.
O rigor é essencial para alcançar a excelência. O perfecionismo pode ser contraproducente, já que, muitas vezes nos mantém focados em detalhes irrelevantes podendo até aumentar o risco de burnout.
Hoje esforço-me por trocar a busca da perfeição, que reconheço inalcançável, pela concentração em resultados eficazes e rigorosos.
Deixo assim ao critério de quem lê, as conclusões ou o desafio de se questionar e refletir sobre estes perigos no seu dia a dia ou no dia a dia da sua empresa.
Afinal, de que serve o conhecimento se não for partilhado!?
[1] in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa aqui.