E se tudo fosse ao contrário? A pergunta que um destes dias me coloquei enquanto reflectia sobre uma série de hábitos ou normas do mundo empresarial. A pergunta transportou-me para um livro que li, há um bom par de anos, chamado "Teaming" de Jil Van Eyle.
Faz sentido contextualizar esta obra. Gil Van Eyle era um empresário de sucesso e afortunado quando, em 1998, nasceu a sua filha Mónica com uma hidrocefalia. Nessa altura a sua escala de valores virou de forma quase radical e passou a dedicar-se a angariar fundos para ajudar famílias com as mesmas dificuldades com que ele próprio se deparou por este problema pessoal. Criou assim o movimento "Teaming" que faz uma fusão perfeita entre a solidariedade individual e um ou vários movimentos de promoção de espírito de equipa numa empresa.
Para além de ser um livro que demonstra a importância de ser solidário, é um livro que permite, a qualquer organização, analisar ou sondar, o estado da sua cultura organizacional e coesão das suas equipas. E fá-lo de uma forma muito mais profunda do que possa parecer à primeira vista.
Recordo-me que o livro começava por colocar uma série de questões ao leitor que sugeriam imaginarmos um Mundo invertido. Um Mundo como se tudo fosse ao contrário!
Não tenho o livro comigo e li a obra em 2007, por isso, irei descrever essa introdução da forma que me recordo. Seria algo deste gênero:
"E se de repente usar um bem de luxo fosse visto como obsceno? E se o mundo mudasse a tal ponto que, ao invés de uma pessoa ser admirada por passar com um carro de luxo passasse a ser insultada? E se aquilo que passasse a ser valorizado fosse contribuir para uma causa?; etc..."
Relembro que este autor foi um empresário de sucesso que viu a sua vida invertida perante a circunstância que descrevi, ou seja, esta abordagem não tem nada de político ou fundamentalista. Na época, percebi que a única coisa que ele pretendia com esta introdução era colocar o leitor num pensamento "invertido" em relação ao habitual ou àquilo a que poderemos chamar de normal.
Um destes dias, como já referi, este livro revisitou-me a memória.
E se também no mundo empresarial tudo ficasse invertido... ao contrário? Explico-me:
E se uma empresa para contratar outra empresa tivesse que ser submetida a um assessment de conduta? E se o mesmo se aplicasse quando a empresa quer contratar um Colaborador?
Note-se que sobre a contratação de Colaboradores já não estamos muito longe. Veja-se a aplicação Glassdoor sobre a qual já gravei a Top Tip - Recrutamento em "Glassdoor".
Mas, e se ao invés de serem os Clientes os únicos "reis da palavra" os Fornecedores passassem, igualmente, a ter voz ativa nos negócios, decidindo se querem ou não fornecer ou fazer negócio com aquela entidade. Não me refiro a análises de risco ou a decidir o fornecimento em função da maior ou menor probabilidade de cobrança mas sim, decidir se os valores daquela empresa são merecedores de receber um determinado produto ou serviço. Poderemos até pensar, a esta altura, que isso já é assim. Mas refiro-me a uma situação em que tudo seria, mesmo, ao contrário.
Para que esta leitura não se transforme num devaneio próprio de quem escreve de madrugada, vou especificar. Imagine que antes de aceitar um Cliente na sua empresa, ele teria que responder a um questionário sobre a sua conduta e idoneidade, ou seja, sobre a sua cultura de serviço e só depois disso a empresa fornecedora decidiria se o Cliente estava ou não qualificado para fazer negócio consigo?
No meu caso concreto o questionário poderia ser, hipoteticamente, algo como:
E, por aqui fora, poderia ir a divagar sobre esse tal mundo ao contrário.
Em jeito de conclusão, ou será quase uma justificação pessoal, é frequente, na minha profissão, deparar-me com pedidos de empresas que tudo o que pretendem é melhor serviço e experiências Cliente marcantes porém, não é preciso muito tempo para concluir que a primeira mudança deve ocorrer na cultura da própria empresa. O meu trabalho passa, às vezes, por conduzir a empresa, racional e emocionalmente, a essa conclusão ou, pelo menos, ajudar a que se questione.
Se tudo fosse ao contrário será que ganhávamos tempo? Teríamos empresas mais "inteiras"? Mais sucesso nos negócios? Pessoas mais felizes? Um mundo empresarial mais regulado? Alice in wonderland? ;)
Seria todo o ecosistema mais equilibrado e justo? Pela parte que me toca a reposta é: não sei, ou... depende!
Sei, isso sim, que o sucesso de uma empresa é diretamente proporcional à sua cultura interna e essa, raramente, tem consequências de visibilidade inquestionáveis. Está no "fundo do iceberg".
Por mais que todo este raciocínio possa parecer só inspirado no livro "Teaming" arrisco dizer que poderia ser, igualmente, inspirado na música - Loucos de Lisboa - da Ala dos Namorados:
"(...)
A Terra gira ao contrário
E os rios nascem no mar
(...)"
Ou será um artigo simplesmente inspirado numa escrita madrugadora e nas centenas de relações e ligações que mantenho a Empresas em todos os continentes há mais de duas décadas?
Votos de bom serviço onde quer que o rio possa nascer!