RH Magazine: O direito a desligar ou o bom senso das organizações.

Recentemente o Código do Trabalho passou a prever o dever de abstenção de contactar o trabalhador no período de descanso, “salvo situações de força maior”. Entenda-se que esta nova legislação pressupõe que “O empregador tem o dever de se abster de contactar o trabalhador no período de descanso, ressalvadas as situações de força maior” sendo as situações de força maior os incêndios ou acidentes.

Esta é uma situação que abrange todos os trabalhadores quer estes estejam em teletrabalho ou não.

Tendo em conta a importância da cultura das organizações na sua performance ocorre-me que a necessidade de legislar este tipo de situação não abona a favor da saúde da cultura da maioria das nossas empresas ou será da cultura das nossas lideranças! É sabido, desde a revolução industrial, que o excesso de horas de trabalho se traduz em mais erros de processo. Apesar desta ser uma constatação obvia é igualmente obvio que ainda existem empresas que promovem o chamado espírito “workaholic” que é muitas vezes acompanhado desta crença de que “estar ao serviço” é coisa de 24/7 principalmente se for um telefonema ou mensagem do “chefe”.

Certo dia, num workshop em que desenhávamos disfunções de processo de gestão de loja, numa empresa de renome internacional, um participante afirmou “um gerente tem que estar 24h disponível”. Na época questionei o grupo se achava isso razoável e se acreditavam que assim teriam melhor cultura interna e consequentemente melhor serviço aos Clientes. Apesar de a grande maioria dizer que não, tínhamos por lá alguns resistentes (gerentes) a defender essa lógica. De notar que o debate surge depois da partilha de um episodio em que o gerente tinha estado de turno toda a noite, mas teria a obrigação de atender o telefone às 09:30 am se assim fosse necessário e entenda-se por necessário uma qualquer dúvida.  Desengane-se se pensa que esta história tem 20 anos! Passou-se algures entre 2016 e 2017 e arrisco dizer que ainda não terá mudado radicalmente. Era esta mesma empresa que se queixava de as pessoas novas não ambicionarem um cargo de gerente. Talvez em 2022 a resposta a esta questão seja obvia mas, na altura, para muitos, não o era.

Certo dia perguntaram a Louis Armstrong o que era o Jazz! A sua resposta foi: “Se tem que fazer a pergunta nunca vai entender a resposta.”

Há assim duas formas de estar em relação ao respeito pela vida dos colaboradores: acreditando que é absolutamente necessário respeitar o tempo privado e de descanso de cada um, uma questão de respeito e bom senso, ou fazê-lo porque temos que cumprir a lei.

Se o fazemos exclusivamente para cumprir a lei caso para dizer “nunca vamos entender os benefícios”!

Quase soa a estranho escrever sobre coisas tão obvias, no entanto, continua a ser necessário. Tão necessário que o País acaba por legislar esse direito. Voltamos, na verdade, sempre ao início: pessoas felizes produzem mais e melhor e serão eternos promotores das empresas onde trabalham produzindo um serviço ao Cliente final, manifestamente, melhor, logo, melhores resultados e os bons resultados não se conseguem com leis ou decretos conseguem-se sim com excelentes lideranças e culturas organizacionais.

Artigo publicado na edição nº 139 RH Magazine

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