Em busca do sapato perdido! Como atrás de um sapato se destapa uma cultura organizacional.
Desta vez uma história passada noutro continente. Esta é uma história mais longa, passada em 4 atos. Longa, mas uma história que merece a pena ser contada e, mais ainda, merece a pena refletir sobre todas as dimensões que esta história nos traz!
É passada em Nova Iorque, em plena 5ª avenida. Estava com o meu marido e ao passar por uma montra muito atrativa caíram-me os olhos nuns sapatos. Para quem não sabe os sapatos a par com os carros talvez sejam a minha maior perdição não será por acaso que ambos estão agarrados ao chão.
Não estava disposta a entrar, mas o meu marido estava desde o dia anterior a querer encontrar um presente para mim e perante a sua pressão, por amor, note-se, aceitei entrar.
Já na loja e como é normal nestes lugares feitos para nos conduzirem à compra, reparei numas calças e numa camisola que com os sapatos seriam aquele tipo de outfit que se descreve como “a minha cara”. Talvez seja importante referir que para além da vontade de uma roupinha nova, nesse dia tínhamos um jantar combinado num sítio bem especial.
Ora o que mais podemos querer num dia de um jantar especial além de uma roupa nova!?
ACTO 1: O provador!
Ali estamos os dois. Ele entusiasmado com a ideia de que, finalmente, me poderia oferecer um presente e eu, apesar de encantada com o conjunto, comecei a perceber um staff desligado dos Clientes, que, sendo bastantes, não eram tantos ao ponto de não poder dar atenção a cada um.
Talvez por deficiência profissional, comecei a ficar cada vez mais atenta e a não gostar do que via. Segue-se o próximo passo.
Ali estou eu de “calças na mão”, camisola e um sapato número 38, já que este sapato estava em exposição e um só bastaria para experimentar. Além disso, não existia ninguém com vontade de dar qualquer tipo de apoio. O staff estava desligado, sério e sem a mínima ligação aos Clientes.
Falavam uns com os outros, repunham os expositores, mas ligarem-se aos clientes… nem pensar! Quase arrisco dizer que até desejavam que estes não os incomodassem!
Chega a fase do provador! Ali estou vestida e com um dos sapatos calçados com o meu marido sentado no famoso sofá onde muitas vezes aos maridos são sujeitos a estes momentos.
– Foste tu que fizeste aquele conjunto? – oiço uma das colaboradoras perguntar à colega olhando e apontando para mim!
– Não. Foi ela! – responde a colega de forma seca e, diria até, com algum desdém.
Neste momento cruzei olhares com o meu marido e ambos ficamos incrédulos.
Virando a página, estava decidido.
Era aquele presente que o meu marido me queria oferecer e era a roupa que iria vestir no nosso jantar. Ah… com aqueles sapatos, claro!
Chegou a hora de pedir o pé esquerdo, lembro que só tinha o direito.
Aproximei-me de uma das colaboradoras que estava no provador e pedi o pé direto.
Nem sim, nem não, nem com certeza… nada! Nem uma palavra.
Limitou-se a um aceno de cabeça numa lógica silenciosa de: “já vai”!
Os meus olhos continuavam a radiografar todo aquele ambiente que não tinha rigorosamente nada de bom no que ao serviço diz respeito.
– Não encontramos o outro sapato, mas tem outra cor, se quiser! – diz-me de forma seca e com um rosto sem expressão uns minutos passados.
Diga-me: Como reagiria a este episódio inesperado?
É nesta altura que começo a pensar que esta história teria que ser contada e analisada mas, mais do que isso, a questionar-me sobre como iria acabar!
Respondi que não queria outra cor, só queria aquela.
– Mas como não encontram o outro? Alguém levou um sapato?! – perguntei e insisti.
O comportamento da colaboradora foi completamente desligado. Nesta altura toda a história começou a ser um case study!
Em plena 5ª avenida, numa loja onde supostamente o serviço deverá ser, no mínimo o esperado, estava perante um episódio de serviço revoltante.
Pedi-lhe que me dissesse o que podia fazer mais por mim. Pediu-me novamente uns minutos e desapareceu.
– Aposto que a loja tem um ou uma gerente de turno, ou chefe, o que for, com uma péssima atitude com o staff! – disse, nessa altura.
O meu marido duvidou da afirmação tão forte e com tão poucos dados, mas, estava, absolutamente, certa do que dizia.
– Não sabemos do sapato. – Repetiu a colaboradora que regressou com a mesma expressão sem qualquer emoção.
– Diga-me uma coisa: isso é mesmo tudo o que pode fazer por mim? – Insisti.
– Sim! – Responde com um encolher de ombros.
Para quem trabalha serviço e cultura de serviço o tema passou mesmo a ser pessoal.
Não iria descansar enquanto não chegasse ao fundo daquela cultura organizacional e liderança que tem colaboradores na loja como se robots ou zombies se tratassem.
– Não consegue fazer nada?! – reforcei num tom mais indignado.
– Se quiser, podemos procurar e telefona para cá mais logo a saber se encontramos! – responde-me sem qualquer entusiasmo ou convicção.
– Sou da Europa, estou de passagem, o roaming custa uma fortuna. Quero comprar umas calças, uma camisola e uns sapatos e está a sugerir que eu ligue? Já pensou que gasto mais numa chamada do que nos sapatos? Já lhe passou pela cabeça fazer ao contrário e dizer que me liga se encontrar? – bombardeei sem respirar.
É importante referir que quando encontro situações deste género, agarro a minha missão de vida como se não houvesse amanhã. Tinha que ensinar ou educar esta mulher ao serviço!
– Já fez mesmo tudo o que podia fazer? – reforcei.
Pegou num intercomunicador e eis que se aproxima a gerente de turno.
Uma mulher loira, estatura média e enveredar um vestido vermelho.
A esta altura, praticamente, todos os colaboradores estavam interessados na novela. Já tínhamos tornado claro que ou levávamos tudo, ou não levávamos nada!
Se até agora está achar a história surreal, prepare-se para o 2º ato!
2º ACTO: A solução
– Já viste na caixa? – Pergunta a gerente, a uma distância de um metro e meio, sem olhar para nós ou cumprimentar, ou o que fosse.
– Sim – Responde-lhe Nathalie.
– Já viste no armazém? – insiste.
– Sim! – confirma.
– Então o que queres que faça! (what do you want me to do!) – Remata a gerente virando costas.
Assistimos a tudo “de camarote”, como é costume dizer-se.
Estávamos sem fala… desde logo por perceber que a minha análise, supostamente precoce, estava certa.
Já estou, visivelmente, indignada quando se aproxima uma outra colega que nos deu a sensação de estar a sentir vergonha alheia. Eu sentiria se estivesse no seu lugar!
Pela primeira vez alguém nos pede desculpa. Pergunta-nos se ainda vamos andar por ali, estávamos no final da manhã ao que respondemos que sim. Sugeriu então que na volta, ao final do dia ou da parte da tarde, passássemos pela loja de novo. Iria comprometer-se a encontrar o malfadado sapato!
A atitude dela, desde logo sendo a única a demonstrar algum interesse merecia, no mínimo, algum “carinho” se é que essa é a palavra certa! Assim fizemos. Deixamos as calças a camisola e o sapato nas suas mãos.
Escusado será dizer que o sapato “solteiro” foi o nosso tema do dia!
Chegados ao fim do dia, de regresso, disse ao meu marido que não riria voltar à loja. Um serviço ou atendimento destes não merece que deixemos lá o nosso dinheiro. Acontece que ele estava mesmo com muita vontade de me mimar com o dito outfit!
– Não queres conhecer o final da história? – perguntou-me e convenceu-me a entrar.
3º ACTO: Outra loja!
Mal entramos na loja percebi uma diferença de comportamento abismal. Estava incrédula. Quase me questionei se seria a mesma ou outra loja. A diferença era inacreditável!
– Aposto que mudou a gerente! – disse decidida .
Eis que se aproxima a senhora que se comprometeu procurar o sapato. Trazia as calças a camisola e … Os dois sapatos! Paralelamente, trazia consigo um sorriso que não lhe conheci anteriormente.
O local onde aguardávamos era o mesmo, com vista para os provadores. De repente, a colaboradora que nos tinha tratado de forma indiferente e total desprezo aproxima-se.
– Encontramos o seu sapato! – diz-me com um sorriso rasgado.
Bem sei que estávamos em Nova Iorque, mas a história era digna de um filme e nunca pensei que pudesse viver isto na vida real.
– Diga-me uma coisa: a gerente mudou? – perguntei sem resistir a satisfazer a minha curiosidade.
– Uhf…. sim, porquê? – responde surpresa.
– Porque parece que entrei numa outra loja! Porque agora estou a vela sorrir e de manhã não foi isso que vi! – continuei.
Nesta altura comecei a dar voz à minha missão de vida e esforcei-me para converter alguém a servir muito mal em alguém a sentir prazer em servir.
– Diga-me uma coisa: já percebi que a gerente de manhã não vos inspira, mas quando trata um cliente como me tratou de manhã, sem interesse, sem um sorriso, sem nada quem acha que perde mais com isso? A sua gerente, a loja ou você? – perguntei com muita expectativa.
– Eu! – responde-me com os olhos a vidrar.
– Certo! Pense sempre numa coisa: quando serve mal quem perde não é a gerente nem a loja. Podem perder no final, mas no imediato não são eles, somos nós! Faz sentido? – insisti com esperança de a converter.
– Faz todo o sentido. – Respondeu-me de cabeça baixa.
Nesta altura a nova gerente de turno apareceu. Sorridente, simpática e a pedir desculpa pelo sucedido. Lembre-se que não foi ela a autora de todo este desastre.
Comentei explicitamente a diferença entre as duas lojas, e ela, sem dizer mal da colega, reforçou o seu sentido de responsabilidade no ânimo e motivação da equipa e na qualidade do seu serviço!
E assim terminou o ACTO 3 – a entregar um cartão top service às 3.
Saímos de lá com sorrisos, a perdoar, umas calças, uma camisola e uns sapatos que por sinal vesti nessa noite, como idealizado!
4º ACTO: O germinar das sementes!
Sempre que tenho este tipo de intervenção com alguém que me serviu menos bem, e são muitas vezes acreditem, fico na dúvida. Será que funcionou? Será que esta pessoa vai mudar a sua forma de servir. A dúvida subsiste e, neste caso, este último ato refere-se exclusivamente a isso.
Passadas umas duas semanas tinha um pedido de publicação na minha página do Facebook de Natalhie Tomas!
Podia ler-se:
Last week I was at work (I work at Banana Republic) and I had the pleasure of serving this customer. I was doing my job as usual and she was so pleased with my smile and great costumer service skills that she not only gave me complements but went above and beyond to thank my manager. It made me feel great. Thank you
A semana passada estava a trabalhar (Trabalho na banana Republic) e tive o prazer de servir esta Cliente. Estava a fazer o meu trabalho como habitualmente e ela ficou tão encantada com o meu sorriso e as minhas competências no serviço ao Cliente que não só me deu os parabéns como foi para além disso e agradeceu à minha gerente. Fez-me sentir fantástica. Obrigada.
Além desta mensagem a foto exibia uma caixa de chocolates que a Cliente lhe ofereceu!
E agora sim, fim da história que poderiam ser várias…
Uma história que começa mal, mas que dá força a esta missão de vida de inspirar as pessoas a servir e sorrir com um propósito!
Espero que esta história o tenha inspirado a si tanto como a mim! Se preferir ouvir esta história pode visitar o canal de podcast onde a relato na primeira pessoa.
E assim se percebe como atrás de um sapato se pode por a nu toda uma cultura organizacional e estilos de liderança!
Votos de bom serviço!
3 pensamentos em “Em busca do sapato perdido”
Muito bom
Muito obrigada Leontina!